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Depois de ter a cova pronta, pegou num pouco de adubo e colocou-o no fundo. Pôs-lhe uma camada de terra por cima, para não queimar as raízes da jovem árvore, outra camada de folhas secas, e só então, com todo o cuidado, colocou a pequena cerejeira na cova. Envolveu, com terra fresca, toda a zona da raiz e, de seguida, deitou um pouco de água.
Quando acabou de encher a cova com a restante terra, apoiou-se no cabo da enxada e olhou, satisfeito, para o resultado do seu trabalho. O contacto com a terra fazia-lhe bem, limpando-lhe a cabeça das preocupações dum quotidiano intenso em que, apesar de adorar o seu trabalho, a pressão imposta pelas novas filosofias económicas o privava de qualquer resquício de tempo ou disposição para se dedicar a outras coisas da sua afeição. Mas quando chegava o sábado, era sagrado. Pegava numa tesoura de podar ou numa enxada e embrenhava-se nas lidas da terra, como se andasse em demanda da cumplicidade ancestral gravada no lugar mais profundo do ADN de qualquer ser humano.
Aprendeu a interpretar os sinais das plantas, as suas transformações, começou a olhar para as aves com outros olhos, mas sobretudo com tempo. Quando a enxada mergulhava na terra, fazia-o como se de um ritual sagrado se tratasse. Sentia o golpe em toda a sua extensão e, quando rasgava as suas entranhas, absorvia os aromas como se lhe contassem os segredos mais elementares do universo. Tudo ficava para trás perante a simplicidade do óbvio, o sentir de cada coisa no lugar certo.
Ao almoço, com a família reunida, os benefícios dum tempo limpo faziam-se sentir, em todo o seu esplendor, num convívio aconchegante. Os rapazes discorriam, descontraidamente, sobre as peripécias da vida universitária, com um à vontade só possível num cenário em que o tempo está escalonado na sua verdadeira dimensão. Lá fora, embaladas no cantar da passarada, as plantas, alheias à pressa inventada pelos humanos, iam cumprindo, tranquilamente, o seu ciclo de crescimento...
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Quando acabou de encher a cova com a restante terra, apoiou-se no cabo da enxada e olhou, satisfeito, para o resultado do seu trabalho. O contacto com a terra fazia-lhe bem, limpando-lhe a cabeça das preocupações dum quotidiano intenso em que, apesar de adorar o seu trabalho, a pressão imposta pelas novas filosofias económicas o privava de qualquer resquício de tempo ou disposição para se dedicar a outras coisas da sua afeição. Mas quando chegava o sábado, era sagrado. Pegava numa tesoura de podar ou numa enxada e embrenhava-se nas lidas da terra, como se andasse em demanda da cumplicidade ancestral gravada no lugar mais profundo do ADN de qualquer ser humano.
Aprendeu a interpretar os sinais das plantas, as suas transformações, começou a olhar para as aves com outros olhos, mas sobretudo com tempo. Quando a enxada mergulhava na terra, fazia-o como se de um ritual sagrado se tratasse. Sentia o golpe em toda a sua extensão e, quando rasgava as suas entranhas, absorvia os aromas como se lhe contassem os segredos mais elementares do universo. Tudo ficava para trás perante a simplicidade do óbvio, o sentir de cada coisa no lugar certo.
Ao almoço, com a família reunida, os benefícios dum tempo limpo faziam-se sentir, em todo o seu esplendor, num convívio aconchegante. Os rapazes discorriam, descontraidamente, sobre as peripécias da vida universitária, com um à vontade só possível num cenário em que o tempo está escalonado na sua verdadeira dimensão. Lá fora, embaladas no cantar da passarada, as plantas, alheias à pressa inventada pelos humanos, iam cumprindo, tranquilamente, o seu ciclo de crescimento...
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Só os verdadeiros escritores conseguem, numa dimensão paralela, descrever com tamanha sensibilidade, frescura e satisfação o sabor da vida no simples olhar de um sábado! Essa capacidade de nos fazer sentir esse "ritual sagrado", na terra e nas palavras, muito além de um sábado, é realmente magnífica!
ResponderEliminarO cuidadoso sacudir da terra invade o Interioridades, na sua dimensão mais humana, ao ponto de todo este terreno ser inundado pelo delicioso e reconfortante impulso de partir à (re)descoberta dos prazeres da vida e da família (nas suas raízes e nos seus frutos)...
Pela naturalidade das tuas palavras, arrisco a dizer que o teu sábado desvendou segredos de uma admirável forma de estar e de viver (n)a vida.
Desta vez, sou eu que digo... obrigada, por teres preenchido o meu sábado! :)
Olha, amigo, agora já percebi onde encontras o equilíbrio que colocas na tua vida.
ResponderEliminarO texto é belíssimo e tocou-me muito. Quem me dera escrever assim!
Não queres ajuda aí no teu cantinho? :)
Um abraço.
JB,
ResponderEliminarÉ curioso como lidar com a terra me dá uma perspectiva de equilíbrio das coisas como nunca tinha encontrado.
Obrigado pelas tuas palavras, sempre significativas.
Jorge,
Aparece por cá, mais uns braços dão sempre jeito, e o teu Alentejo não se vai ressentir na tua ausência. :)
Um abraço
Agostinho,
ResponderEliminarQuem me dera plantar essa árvore e pegar na enxada para sentir essa sua satisfação e esse encantamento que se derrama na sua escrita.
Deixo-lhe aqui um poema de Sophia que adoro e que revela bem como a natureza é a fonte da paz e da justiça.
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A Forma Justa
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
Ibel, que bela forma de comentar trazendo consigo a Sophia!
ResponderEliminarTal como ela diz...
"A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino"
Obrigado