sábado, 26 de maio de 2018

O MEU PEQUENO PARAÍSO

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AC, Rosmaninho
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Cheguei a casa cansado do algaraviar dos homens, da necessidade constante, alheia às aprendizagens, de colocar cuspo no nariz dos outros como forma de afirmação. Não, não vinha, tal como o Eugénio, com os olhos rasos de água, mas o semblante irradiava nuvens cinzentas.
Uma pequena pausa, o calçar das botas, o cirandar pelo espaço circundante, alquimia natural da essência dos milagres. Estava no meu pequeno paraíso.
Olhei de relance para a pequena horta. Depois, sem pressa, contornei as árvores de fruto, detendo-me, aqui e ali, com uma papoila mais exuberante, até sentir que, ao de leve, algo começava a fazer das minhas pernas um qualquer esboço de estrada. Eram formigas, incomodadas no eterno labor de encher o celeiro, enquanto duas ou três borboletas, indiferentes à ameaça da chuva, acariciavam, delicadamente, as ervas e as couves.
Quando cheguei junto dos rosmaninhos, vizinhos duma ou outra giesta, já as nuvens se começavam a desvanecer. Recordei o momento em que, há dias, na limpeza do terreno, não consegui cortá-los. São demasiado especiais, é impossível ficar imune à espiritualidade que inspiram. E por lá ficaram, pintalgando o terreno com a sua cor inconfundível. Olhei, absorvi o perfume. Sentia que, subtilmente, se abriam janelas dentro de mim. 
A passarada, até aí cautelosa, começou, de mansinho, a fazer-se ouvir, com as notas em crescendo como se o espaço fosse, verdadeiramente, seu. E era. Já de sorriso instalado, alheio a qualquer cinto de segurança, franqueei as portas à sinfonia e deixei-me embalar, qual tripulante duma qualquer nave em que tudo, ou quase tudo, parecia fazer sentido...
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22 comentários:

  1. Flores do campo, que lindas! Tenha um fim de semana feliz e abençoado. Abraços da amiga Lourdes Duarte.

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  2. Que lindo é o seu paraíso. E que bem que paraísos desses fazem à alma.

    Boa tarde AC, Bom fim de semana

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  3. A poesia em cada frase, a beleza em cada parágrafo. E o aroma a rosmaninho, impregnando o ar enquanto lia este pequeno e tão intenso texto.
    Abraço e bom fim-de-semana

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  4. Esse paraíso é já um pouco nosso,(dos leitores)também, pelas sensações de tranquilidade que os textos irradiam.

    Lídia

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  5. Ao terminar a leitura deste pedacinho da tua alma, de imediato me lembrei de algo que li recentemente, sobre o Homem e a vida em comunidade.

    "O Homem, por natureza, não é um ser sociável. É individualista e solitário. As comunidades surgem, por conveniência".

    Penso que a «conveniência», seja a necessidade de algo que nos falta.

    Sabes que nunca tinha ouvido/lido a expressão: "colocar cuspo no nariz dos outros"? Para te ser sincera, terei de vir ler tudo novamente a ver se lhe apreendo o significado.:)
    Para já, fico-me com ternura que me inundou o coração, pelo efeito apaziguador que o odor do rosmaninho, provocou no teu estado de espírito.

    Boa noite, A.C.
    Um abraço amigo.

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  6. Divaguei através desse belo paraíso que tão maravilhosamente nos descreveu.
    Bom domingo
    Um abraço
    Maria
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  7. Este post parece ter cheiro de terra que a chuva começa a molhar... Não sei explicar o motivo rsrsrsssssssssss

    Um abraço, tenha uma ótima semana!

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  8. Portas abertas janelas escancaradas
    Abraço

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  9. O nosso canto é o nosso paraíso. Pode até nem ser o melhor para os outros mas é-o com certeza para nós. Quanto mais partimos mais gostamos de chegar. Falo por mim, claro, mas parece-me que também por ti AC. Boa noite :)

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  10. Realmente seria quase um crime decapitar tanta beleza.
    Aquele abraço, boa semana

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  11. Uma delícia de texto e na sua simplicidade mostra bem o real sabor da vida conjugado com a natureza.

    A foto é linda e ainda bem que não a retiraste a beleza do rosmaninho e eu sempre que as vejo, baralho-me e digo alfazema:))

    Beijos e uma boa semana

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  12. Muito bonito, tanto o texto como a paisagem!
    Beijinhos,
    https://chicana.blogs.sapo.pt/

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  13. Chegou-me aqui o cheiro do rosmaninho e uma enorme vontade de estar nesse paraíso… Um texto magnífico em que o Eugénio legitimou a emoção…
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  14. Fui assolada por uma vaga de tristeza quando li o poema de Eugénio de Andrade. E só depois fui capaz de pensar: "Ainda bem que o AC tem a capacidade de se encantar com as pequenas coisas, as flores das cerejeiras, o rosmaninho, as formigas, as borboletas, os pássaros, a brisa, os cheiros...."
    Todos teremos o nosso recanto triste, que evoca o Eugênio que há em nós. Hajam também paraísos....

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  15. Meu caro Agostinhamigo

    Creio que após tantos anos de amigo e são convívio antes de concretizar o abandono das visitas e comentários ao teu INTERIORIDADES é justo que te venha dizer que foi um privilégio e uma honra que tive em corresponder-me contigo.

    So a falta de reciprocidade me levou a rescindir o "contrato" de Amizade que tínhamos assinado e em especial, na minha modesta opinião a parte maior das faltas de comparência não justificadas deve ser-te assacadas. Isto apesar de ninguém ser bom juiz em causa própria...

    Um abração deste que continua a ser teu amigo
    Henrique, o Leãozão
    _________
    E ainda um último lembrete: Tal como havia avisado acabo de publicar na Nossa Travessa um novo artigo de minha autoria intitulado É difícil viver com um mongoloide. Com ele inicio uma saga que se inspira nas narrativas da nossa Amiga Elvira Carvalho a quem agradeço o “empurrão”…

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  16. Boa tarde!
    Um post que nos faz contemplar tudo o sugerido. Obrigada pela bela partilha nesta tarde.
    Abraços fraternais de paz e bem

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  17. É quando nos distanciamos dos "blablablas" alheios e observamos a natureza mais de perto sem julgamentos que iniciamos uma conexão com a vida, capaz de ativar um novo, sempre novo sentido! Beijinhos :) e grata!

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  18. Gostei muito que abrisses, para nós, as janelas do teu paraíso. E que trouxesses a carícia de duas ou três borboletas. Sente-se, também, o perfume do rosmaninho a atravessar as palavras. Sim, " tudo, ou quase tudo, parece fazer sentido..."

    Beijinhos, AC.

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  19. AC, como eu aprecio a poética do Eugénio de
    Andrade (Este poema dele -"Os olhos rasos de água"
    é único e inesquecível numa inscrição poética
    perfeita, no eco da arte poética e no eco do
    significado maior do lugar alma!...) e te agradeço
    conhecer este "espaço de estúdio raposo", adicionei
    para acompanhar as partilhas e com mais tempo
    disponível passear lá...
    A foto belíssima, parece uma dança delicada
    poética!!
    Com certeza um lugar muito bem batizado de
    "paraíso" e as palavras correm desta beleza
    dos olhos (alma..) e cristalizam-se poesia...
    Beijo.

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  20. Texto e imagem... um verdadeiro encanto!
    Grata por esta leitura.
    Beijinhos
    Fanny

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  21. Não há melhor lugar no mundo, do que os nossos pequenos paraísos... felizes daqueles, que os sabem encontrar e reconhecer como tal...
    Mais um texto, que é em si mesmo... um delicioso pedaço de paraíso... tal como a imagem...
    Beijinhos! Bom fim de semana!
    Ana

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  22. Estas intimidades são unha e carne com teu "Interioridades" e eu percebo-as (pois, o cansaço de dias de vozes e papeladas, tantas vezes inúteis...) e sinto-te nelas.
    Bjinho, AC

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