terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

MARGARIDAS E SULFAMIDAS, ETERNA RIMA COM VIDAS

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AC, Margaridas
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Para quem pode, e capricha na necessidade de sentir, os campos já exultam de margaridas. Nada de mais para quem tem como exercício resplandecer o olhar, mas a cada ano que passa, e por mais que a Natureza transmude, há sempre algo que se insinua, qualquer coisa de novo que transparece. E a alma regista e alimenta-se, naturalmente.
Caminho por entre as ervas, muitas delas engalanadas com o cartão de alforria, feitas flores, enquanto ouço a música de acasalamento da pardalada - já? que se passa? - em ária quase monocórdica que reflecte uma única intenção. Bem andam eles, pardais, seres de natural linguagem.
Apesar do céu cinzento, a ameaçar chuva após dois dias de manifestação do poder solar, não resisto em caminhar por entre as frutícolas. As macieiras, as pereiras, as figueiras, as nogueiras e os marmeleiros, mais as nogueiras e os castanheiros, parecem não querer despertar do sono a que têm direito, mas as cerejeiras já parecem querer dar sinal de si, invejosas do damasqueiro e das amendoeiras, já em plena floração. Um pouco ao lado, e pouco tempo após o parto, as oliveiras ainda estão em pousio. Dos limoeiros e da laranjeiras falo em tom mais baixo, já que continuam em estado de observação após a investida da geada. Mas, aqui para nós, e reivindicando uma cumplicidade imune a citrinos, se é que ela existe, vislumbro por ali poucas hipóteses de sobrevivência. A não ser, como muitas vezes o faz, a Natureza me surpreenda.
Regresso à minha moderna caverna, não sem antes dum vislumbre final. As alvas margaridas, com um ou outro maior assomo, aqui e ali, assumem-se como autêntico oceano, deixando ressalvar pequenas ilhas, de couves e ervilhas, que só salientam ainda mais o seu encanto. E, de alma cheia, aguardo pela chegada do Whisky, habitual visitante deste pequeno paraíso, um quase residente que vem partilhar alguns dias connosco. Quem não deve ficar satisfeito é o gato,  candidato a domiciliado, que, durante a estadia do canídeo, não deve dar sinais de vida. Entretanto, e num afã próprio dos rituais familiares, sinónimo, no bom sentido, dos pequenos grandes prazeres, alguém chama por mim para dar início à degustação dum cozido a portuguesa, tradição de todos os carnavais. Com ou sem confinamento.
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11 comentários:

  1. Nasci no campo algures no Ribatejo-Portugal. Emociono-me ao ver estas fotos de campos cobertos de flores, como eram (e são) aqueles campos onde nasci, corri, cresci. Fico, confesso, emocionado.
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    Saudação poética
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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  2. Mas que grande pomar o teu! Árvores de fruto com abundância, que te garantem fartas colheitas e muito trabalhinho, nas podas e quejandos.
    Nada que canse o corpo e a alma de um Homem feliz... Que vida boa! :)

    Beijinho, AC.

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  3. A natureza, felizmente, continua indiferente ao que se passa no mundo.
    Ter o dom de saber observar essas vidas, sejam ou não margaridas, não é para todos AC.
    Há tradições que se devem manter e, um cozido cai sempre bem (:

    Beijinho

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  4. Sabe, sô AC, eu sou filha da cidade com a sorte maior de ter vivido durante alguns anos no campo, numa Vila lindíssima, e por isso, gostar tanto destes seus postais que conseguem trazer-me lembranças boas e até cheiros.

    Obrigada

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  5. Boa noite, belíssima foto com as flores e o campo. A natureza é um presente divino para nós. Além de nos dar também o seu doce perfume. Ela nos brinda com o que de melhor possui, flores. O silêncio, com o qual, a natureza nos premia é fabuloso.Temos os sons dadivosos da mata e seus inquilinos majestosos, sem o ruído urbano, que nos chateia. Excelente, boa noite!

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  6. San Tai Kin Hong
    (Votos típicos de Ano Novo Lunar e que significam boa saúde durante o ano).

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  7. Mais um post genuíno e como as coisas simples nos dão tanto alento e esperança. Claro não falo no imenso trabalho que deves ter com a "tua plantação" e os citrinos mandaram-me mensagem que em breve irão surpreender-te.

    No domingo numa ida ao supermercado dei a volta ao contrário para apreciar os campos e estão cobertos de flores e no meio delas as altivas papoilas encarnadas numa de "quem manda aqui somos nós". Olhava para o outro lado e vi o oceano bem bravo. Foi uma mera meia-hora de ar bem puro que me encheu a alma.
    Tens que dar um nome ao gato...sugiro "escondido ou vadio":))))
    Um cozido à portuguesa caí sempre bem, ó se cai!!!!

    Beijos e uma boa tarde

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  8. Bem-aventurados os que vivem em plena Natureza, a sabem apreciar e descrever.
    Obrigada

    Abraço

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  9. Os frutos poderão ficar-se pela promessa, mas garantida é a saborosa poesia que ofereces. Acompanho a passo a tua caminhada.

    Abraço de grande amizade. :)

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  10. Belas margaridas. Aqui elas florescem em outra época. Os limoeiros, no entanto, estão no auge.
    Tenha um ótimo restante de semana!

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  11. Aqui tenho um cenário levemente parecido, da minha janela das traseiras... com todo o barulho de fundo de um meio urbanistico... o melhor e o pior de dois mundos...
    Belíssimo o texto, com uma riqueza descritiva formidável...
    Beijinho
    Ana

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