.
AC, Cerejeira com um niquinho de Estrela ao fundo
.
.
Tudo se prepara para a festa da renovação, tudo se começa a engalanar, com um aroma muito próprio, muito fresco, a perfumar o ar.
Tu, contudo, nem pareces a mesma de há uma semana atrás. Vais sorrindo, mas a cada dia que passa pareces mais contrafeita, como se algo de grave se passasse. Que se passa?
Olho para ti, reparo no viço das flores a desaparecer e então entendo a cusquice das duas andorinhas que, em dois fios do beiral, logo pela manhã, antes de iniciarem a azáfama costumeira, se deliciavam a falar daquilo que te envenenava a alma. Dá Deus cerejas a quem não tem dentes, pareciam concluir elas, com desdém.
As andorinhas sabem da vida delas, tu sabes da tua, mas não evito pensar que tu gostarias que o apogeu das flores se mantivesse, que continuasses a ser admirada, que o palco a que te guindaram, por momentos, fosse eterno.
Nem sei que te diga, não vá magoar-te. Fazes-me lembrar uma pessoa amiga que corre, desesperadamente, em busca das últimas novidades para se manter jovem - ela fala-me de algas, de massagens de pedras, eu sei lá... - e eu, enquanto a oiço, não deixo de sorrir. Ela não gosta que o faça, ainda não entendeu que as coisas, muito para lá de se possuírem, têm, acima de tudo, que se sentir. E, aqui para nós, diz-me lá: para além do decrépito da tua flor, não sentes algo de maior a eclodir dentro de ti? Repara bem, os frutos, as deliciosas cerejas que, daqui a um mês e meio, motivarão a cobiça de muitos, começam a despontar donde antes emergia a tua vaidade. Pensa e aguarda. Vais ver que, aquando rubras e bem docinhas, ninguém vai conseguir despegar o olhar de ti e dos teus frutos, derretido em cobiça. Num palco sem limites, essa será a tua verdadeira representação deste ciclo. E, podes crer, desde que bem cuidada, outros se seguirão, pela certa.
.
.
Mas que bela conversa. Até eu lhe dedicaria tempo, daqui a um mês, quando estivessem rubras e docinhas :-)
ResponderEliminarBoa tarde, sô AV
Um texto muito, muito interessante.
ResponderEliminarA ligação à Natureza, como equilíbrio
e bem-estar, é tão motivador como fundamental.
Deixar que o tempo corra no seu tempo,
viver as estações sem pressas de chegar,
seja onde for, e colher o melhor que o olhar
possa vislumbrar, é um passo para encontrar
aqueles momentos a que chamamos felicidade.
Depois, temos os frutos, que hão-de chegar
no momento certo. É uma questão de saber esperar...
Gostei muito (repito) desta visão espelhada numa bela e aconselhável reflexão.
Um abraço, AC.
Enquanto lia, estava a pensar exatamente nisso: também as flores murcham e caem, mas, se assim não fosse, não teríamos os frutos. É a lógica da natureza, quer gostemos dela, quer não. Outras primaveras e floradas virão, e alegria se repetirá.
ResponderEliminarDuplamente derretida - 1º em cobiça, desse teu jeito de saber descrever com tanta mestria os sentires e pensatres da cerejeira e, 2º em gula, desses saborosos e rubros frutos ficarem, brevemente, aí tão perto da tua mão e da tua boca, - estou eu, à medida que te li e me derreti toda...! ;)
ResponderEliminarUm abraço, AC.
(E a Serra da Estrela ali a espreitar, tão derretida quanto eu.)
Tão bela e tão poética esta conversa com a cerejeira.
ResponderEliminarE como eu gosto de cerejas!
Abraço e saúde
Sou fã de cerejas.
ResponderEliminarMas tenho cuidado porque são algo indigestas.
Que linda conversa com essa cerejeira e não é tão improvável isso acontecer, diante de tanta beleza!Adorei! beijos, chica
ResponderEliminarA cerejeira atravessa fases de intensa beleza e desfrute. Vais tu e quase a humanizas. Creio que as cusquices estão sempre à mão de semear.😀 E que bela lição, meu amigo AC!
ResponderEliminarBeijos.
A natureza é realmente arrebatadora.
Por vezes para não falarmos sozinhos falamos com os animais e/ou até com as árvores. Os animais até nos ouvem. As árvores não. Mas a verdade é que, perante a nossa voz, parecem dançar. E nós, sem resposta, desanuviamos a alma e o coração.
ResponderEliminar.
Cumprimentos poéticos.
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.
Um belo texto poético testemunhando a beleza que existe em cada etapa de vida, de uma cerejeira e de todas as outras.
ResponderEliminarUm abraço
Uma grande lição dada entrelinhas e gostei imenso.
ResponderEliminarQuanto às cerejas não sou muito apreciadora mas como algumas:)
Beijocas e um bom dia
Amigo AC,
ResponderEliminara profundidade dos seus textos deixam-se sempre comovida.
A vaidade da cerejeira é legítima, pois é uma árvore muita bela, mas não sei se os seus frutos, não a farão ainda mais vaidosa :)
Tenho também aqui, um "agricultor", que também fala com as árvores e as plantas :)
Um beijinho
Se as plantas apreciam música, e que falem com elas... as árvores... também serão seres sensíveis... depois de tal troca de argumentos... aposto que a cerejeira dará as cerejas mais doces e bonitas das redondezas... só para os justificar na integra... dado o alento, que os mesmos lhe transmitiram!
ResponderEliminarAdorei ficar a ouvir a conversa! :-P
Beijinho! Continuação de uma feliz semana!
Ana
Um texto delicioso com sabor de cereja, referendando a importância de cada ciclo!
ResponderEliminarSenti de cá a doçura das rubras e, as cobicei como se não existissem outras...
Beijinhos, A.C.