segunda-feira, 12 de julho de 2010

O REENCONTRO

.Diana Huidobro, Marina
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..."Gosto das coisas simples, de sentir o ar que respiro..."
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Há anos que não se viam. A última vez tinha sido no almoço comemorativo do curso, já lá iam uns bons dez anos. O Pedro parecera-lhe bem mas, ao contrário do que acontecia frequentemente nos tempos em que eram dois estudantes ávidos de abraçar a vida, não conseguiram criar o clima propício a grandes conversas. Ele falara-lhe vagamente da filha, da escola onde trabalhava, e pouco mais. Nem sequer falara de pintura, a sua menina dos olhos de outros tempos. A vida tinha-os afastado, era notório. Longe iam os tempos em que se julgavam únicos e confidenciavam projectos, anseios, sonhos...
Quando o sistema de colocação de professores os separou, rasgaram ao meio uma nota de quinhentos escudos e cada um ficou com metade, para gastarem quando se reencontrassem. Porém, apesar desta espécie de promessa de amizade eterna, a pouco e pouco foram perdendo o contacto. Ainda se cruzaram algumas vezes, sempre disponíveis e confiantes, mas as novas pessoas e geografias com que se foram deparando acabaram por afastá-los irremediavelmente.
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Carlos costumava passar, quase todos os anos, uns dias numa praia lá bem a sul, onde as elevadas temperaturas e a luz dourada convidavam à moleza e ao desprendimento. Era o perfeito dolce fare niente, depois de um intenso ano de trabalho. Começara a ir para ali quando os filhos ensaiavam os primeiros passos, e eles deram-se bem com a suavidade daquelas ondas e a macieza do extenso areal. Entretanto cresceram, começaram a cortar os primeiros assomos de barba, mas ficou sempre o hábito de ir para aquele local protegido e afável. De vez em quando viajavam até outras latitudes, mas a ida para a luz do sul era sagrada.
No último Verão, sentado numa esplanada, ao deleitar-se com uma fresquinha enquanto passeava os olhos pelo jornal, Carlos foi surpreendido por uma voz que lhe pareceu familiar: era o Pedro. Engordara um pouco e os cabelos começavam a ficar grisalhos, que as marcas do tempo não esquecem ninguém, mas conservava o mesmo sorriso franco e aberto.
Que fazes aqui, como é que estás, senta-te...
O Pedro continuava a viver nas imediações do Montejunto, onde constituíra família. Enquanto os pais foram vivos ainda foi mantendo alguns laços com o torrão natal, mas depois da sua morte esses contactos esbateram-se por completo. Mas continuava a ter a Beira no sangue. Via à distância, com tristeza e desânimo, o esvaziamento cada vez maior do interior, e não entendia como é que, numa região tão depauperada e esquecida pelo poder político, as pessoas teimavam em não se unir num objectivo comum, preferindo dar guarida a vaidadezinhas e egos balofos. Às vezes sentia vontade de regressar, de respirar os cheiros dos lugares onde se fizera homem, de pagar a dívida ancestral, mas...
Continuaram a falar pela tarde fora, enquanto iam deglutindo os sabores de Verão em pratinhos bem guarnecidos. Lentamente a tampa do baú começou a abrir-se e, de forma natural, as memórias de acontecimentos, pessoas e paisagens começaram a esgueirar-se. A gargalhada tornou-se fácil, espontânea, e a cumplicidade de outrora insinuou-se.
No final, quando pediram a conta, puxaram da carteira e, com um sorriso estampado no rosto, cada um colocou, em cima da mesa, metade da velha nota de quinhentos.
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reedição
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35 comentários:

  1. Caro Agostinho!
    Conheço esta ou outra história parecida. Coincidência ou não, acabei de colocar no meu blogue uma análise sobre o estado do País. Onde, tenho a certeza, de que falta a questão da desertificação e das assimetrias regionais, que os nossos políticos sem visão estratégia e prospectiva, não alcançam que uma Nação só se torna coesa se for igualmente desenvolvida. Onde não haja diferenças, abissais, entre zonas ricas e zonas deprimidas.
    Vamos continuar a falar destas coisas porque o País precisa e nós temos o dever de cidadania de intervir da forma como pudermos, para além do depósito do voto em dia de eleições.
    Abraço amigo
    Caldeira

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  2. Zé Caldeira,
    Deves conhecer, pois esta história publiquei-a há uns meses atrás, e achei por bem reeditá-la agora.

    Abraço.

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  3. AC ainda bem que a reeditaste. Esta história aborda muitos dos problemas deste povo. Fizeste um retrato curto mas real do povo da Beira: não entendia como é que, numa região tão depauperada e esquecida pelo poder político, as pessoas teimavam em não se unir num objectivo comum, preferindo dar guarida a vaidadezinhas e egos balofos. Este povo é tal e qual o retrataste mas, ao contrário de ti, penso que é o retrato do povo português. Um povo cada vez mais desunido, cada um puxando a brasa à sua sardinha, esquecendo o bem colectivo. Pena que não consigam perceber que não será assim que este país se consegue levantar e que é assim que os oportunistas conseguem os seus objectivos. A união faz mesmo a força, não percebem e continuam a não se querer comprometer para não perderem os benefícios que possam vir a ter.
    Abraço

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  4. .

    . e a nota de quinhentos manteve o seu valor maior .

    . no câmbio intrínseco de uma amizade que se e.ternizou no tempo, e que hoje é alento para vasculhar os sotãos das almas em expansão .

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    . gostei muito .

    .

    . paulo .

    .

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  5. Há nessa nota de quinhentos uma simbologia tocante.
    Já tinha lido, mas não comentei na altura.
    Parabéns, amigo!

    Abraço

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  6. Para além do simbolismo da nota de quinhentos, toca-me muito a facilidade do reencontro e a naturalidade das conversas. Tenho esse tipo de experiência com uma amiga de infância. Por muitos anos que estejamos sem nos ver e praticamente sem falarmos, quando nos reencontramos a conversa flui como se nos tivéssemos visto no dia anterior.

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  7. Linda história! Gostei imenso;o)Será autobiográfica?
    Parabéns pelo estilo e maneira de contar.

    ***
    Beijo e feliz semana*******

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  8. Oi!
    Ah... reencontro, é muito bom reencontrar velhos amigos, e realmente a vida e o tempo nos levam a tantos caminhos !
    Bjs!
    Ser Estranho Ser!

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  9. O reencontro é a essência, mas o contexto deu um sabor especial à história, porque tornou-a verossímel.
    Não foi só reencontro de pessoas, mas de raízes.Não importa para onde a gente vá,levamos nossa origem na alma,mesmo que doa.

    Beijos.

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  10. Reencontros assim são mais que bem vindos, gostaria que as pessoas se perdessem menos, algumas têm vergonha de falar conosco após anos afastadas, acho triste porque compreendo bem que a vida as vezes nos tira da rota, então sempre me alegro com a volta, não importa o tempo.

    Parabéns pelo texto!

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  11. Faço de Luísa as minhas palavras.
    Belo conto sobre a arte do reencontro! ;-)

    Obrigado pela visita em meu blog!

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  12. Reencontro é uma palavra que me estremece por dentro, confunde minha vaga noção de espaço, de tempo desapercebido. Fiquei trinta anos sem ver meu pai, AC. E o reencontrei , maravilhada. Você saberia escrever algo assim . Eu sinto o que reencontraram suas personagens.
    beijo!

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  13. que lindo seu texto, uma viagem, estive sentada na mesa ao lado, observando os dois amigos, que gostoso o sabor do reencontro, da amizade, que mesmo depois de ano, ainda é a mesma.

    Estou feliz que tenhas vindo me visitar, espero que volte.

    Tenha um lindo dia

    abraços

    Cris França
    Canto de Contar Contos

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  14. Tenho uma história parecida de reencontro, quando nos vimos fez-se o clique o meu coração transbordou de recordações, é lindo.
    Bjs

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  15. Também gosto das coisas simples...

    Amei o post... aiai, muito lindo!!


    Obrigada pela visita ao meu blog, volte mais vezes... Amei o seu cantinho, gostei muito daqui. Voltarei sempre!! *-*

    bjos'

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  16. que lindo texto, lindo blog, adorei, já estou seguindo :)
    beijos...

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  17. Existe uma voz muda que sempre berra a direção certa dos desejos surdos chamada instinto. É isso que essa metade da velha nota de quinhentos representa.

    BeijooO

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  18. Só consegue ser feliz quem aprecia as coisas simples, não é AC? Que bom você ter reeditado o post! Pude apreciar um brilhante texto , cheio de lirismo e com uma bela mensagem de uma grande amizade.Muito lindo! Parabéns!!!

    Um beijo amigo.
    Seu blog já está na minha lista de preferidos.

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  19. Também gosto de coisas simples... e desta escrita fluída. Não pude deixar de esboçar um sorriso no final. É muito bom quando se podem juntar duas metades.

    Beijos

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  20. Querido amigo AC, obrigada pelo carinho, eu escrevo umas coisas quando estou magoada que arrepia, mais de tanto amar as vezes pensamos que estamos fazendo algo errado... ou não aceito, e ai sai essas coisas pesadas, mas já passou, busco a fonte de equilibrio, Jesus!
    Eu não sei bem do teu dinheiro, sei o País passa por dificuldades, mas é normal altos e baixos na ecônomia, logo ficará tudo bem tb.
    Reencontro é muito bom, e reforça os laços afetivos que fazemos pela vida a fora. Beijos no ♥ do amigo.

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  21. Pois...eu já tinha lido este conto e gostei muito. Na altura despontava um Agostinho de alma grande. Hoje, que julgo já o conhecer bem,é o escritor de livro feito e cheio de leitores.E bem merece.Que bom, amigo, ter assistido a este percurso.Vou guardar metade deste texto...

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  22. Acho lindo conseguir descrever passagens e sentimentos. Aprecio demais os escritores.

    Boa semana para ti.

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  23. penso que os reencontros dependem do olhar das pessoas. Ao reencontrarmos alguém que está a olhar para outra direção, não há reencontro, vemos um estranho distante. Quando um olha para o outro e abre-se para aquele momento é que as memórias vêm à tona.

    gostei muito do conto!

    obrigada por tua visita ao 'olhar'
    um abraço

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  24. Que bom que reeditou! O reencontro, as amizades que não se apagam, mas não mais se apegam, a metade da nota... ficou perfeito.

    Beijo meu

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  25. Olá Vizinho...a amizade não se compra com uma nota de quinhentos, mas partilha-se - a amizade com ela...gostei muito deste reencontro e da bela forma como nos é contado...parabéns! Um grande beijinho!

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  26. Eu revivo sempre que a saudade me trás à lembrança os amigos de ontem, que são afinal de sempre, já que habitam o nosso coração.
    Mas quando o reencontro acontece, principalmente se inesperado, então a gente renasce no reviver dos tempos idos, quando a nota de 500 de um, era dos amigos todos se preciso fosse...
    Gostei de ler-te AC.
    Gosto sempre.

    Beijo.

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  27. Olá,
    Permita-me o "abuso"...
    Através de um comentário seu num blogue, vim até aqui, e gostei do que já li, voltarei para ler mais se me for permitido...

    Até lá Abraço dos Alpes

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  28. Uma história que mexe com emoções antigas, aviva a memória e fala de rencontros. Senti-me tocada em alguns bons momentos dela. A você agradeço as visitas ao Roxo, sempre amáveis e bem-vindas.
    Grande abraço.
    Tânia

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  29. Belo reencontro de amigos!
    E aceitaram a nota de quinhentos?! :-))

    Abraço

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  30. gosto de passar por aqui e te ler...essa sua maneira de escrever que faz bem!

    e tudo estava lá vivo naquela nota de quinhetos!

    bjinhus...

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  31. quantas pessoas se perdem, quantas amizades ficam pendentes em " nota rasgadas", procuras de vidas melhores que nos locais de nascimentos são impossíveis de existir
    Bj

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  32. Gostei deste conto que retrata parte da história de duas vidas, iguais a tantas outras por esse mundo fora.
    A vida obriga a separações de pessoas, às vezes dolorosas; bom é quando se dá o reencontro.

    Uma noite feliz. Beijinhos

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  33. "Quando o sistema de colocação de professores os separou, rasgaram ao meio uma nota de quinhentos escudos e cada um ficou com metade, para gastarem quando se reencontrassem."
    Assim espero fazer, um dia.
    Bj

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  34. ADOREI...AS CIRCUNSTÂNCIAS DA VIDA MUITAS VEZES SEPARAM AS AMIZADES...MAS UMA NOTA DE QUINHENTOS VOLTOU A UNI-LOS...ESSA MANTEVE-SE...PARA LHES RECORDAR...

    É PENA O OUTRO RETRATO...O ABANDONO DAS RAÍZES...

    BEIJO

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  35. AC:
    Aida bem que reeditaste este conto. Coincidência ou não tenho andado nestes dois últimos meses em excurssões afectivas à procura e ao (re)encontro de mim através dos que partilharam comigo a infância,a adolescência e o início da juventure. Muitos são os 1ºs reencontros da e depois da nossa Diáspora.
    têm sido momentos preciosos e proveitosos. A memória é um campo movediço, "lixado" porque enganador,mas muito interessante enquanto objecto e análise.
    beijo

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