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Luís Portugal, Uma semente
(A gravação não é das melhores, mas o timbre de quem sente o que canta está lá. E é destas coisas que eu gosto, fora dos corredores de quem decide e faz opinião)
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Havia um vislumbre de esperança para cá da encumeada, como se, de repente, fazendo negaças ao nevoeiro, algo permitisse que a terra sorrisse para a semente. Talvez fossem meras tréguas, talvez ilusão, mas era quanto bastava. Ansiava-se, acima de tudo, por um sinal, dum raio que golpeasse o marasmo, dum qualquer movimento que mantivesse a chama viva.
De fora chegavam alertas, como se a angústia tivesse a mesma forma e conteúdo em qualquer lugar. Mas, apesar de agitados, os mensageiros não se mexiam. Lá no fundo aguardavam por algo redentor, como que apeados de qualquer decisão. Entregavam o seu desígnio à mercê do que viam, mas não entendiam.
Continuo, convicto, a acariciar a terra, num ritual que me alheia do passar do tempo. De vez em quando surge a pausa, o olhar em volta. Na zona inculta, mais além, os rosmaninhos, apesar dos resquícios da murcha flor, mantêm-se vivos, embora sem viço, como que ganhando ânimo para o desejado esplendor; a poupa, cliente habitual, sempre sensível ao mínimo movimento, teima em debicar onde parece que nada há; os pardais, sinónimo de omnipresença, parecem alheios a qualquer movimentação, fadados que estão para se sentirem livres em qualquer lugar; lá em cima, em atalaia permanente, uma ou outra ave de rapina, em elegante planar, tenta descortinar algo que valha a pena um mergulho.
Às tantas retiro-me, devagar, como se cada passo transportasse algo de precioso. Decorridos uns metros, poucos, insinua-se o ritual: volto-me, apoio-me na enxada e olho, satisfeito, para a terra remexida. Agradeço, mentalmente, a harmonia concedida e, sempre devagar, dirijo-me para casa. Estava na hora do banho, duma boa refeição, dum bom vinho. Depois, quem sabe, talvez a lareira me seduzisse para folhear um livro, ao som duma música calma.
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Continuo, convicto, a acariciar a terra, num ritual que me alheia do passar do tempo. De vez em quando surge a pausa, o olhar em volta. Na zona inculta, mais além, os rosmaninhos, apesar dos resquícios da murcha flor, mantêm-se vivos, embora sem viço, como que ganhando ânimo para o desejado esplendor; a poupa, cliente habitual, sempre sensível ao mínimo movimento, teima em debicar onde parece que nada há; os pardais, sinónimo de omnipresença, parecem alheios a qualquer movimentação, fadados que estão para se sentirem livres em qualquer lugar; lá em cima, em atalaia permanente, uma ou outra ave de rapina, em elegante planar, tenta descortinar algo que valha a pena um mergulho.
Às tantas retiro-me, devagar, como se cada passo transportasse algo de precioso. Decorridos uns metros, poucos, insinua-se o ritual: volto-me, apoio-me na enxada e olho, satisfeito, para a terra remexida. Agradeço, mentalmente, a harmonia concedida e, sempre devagar, dirijo-me para casa. Estava na hora do banho, duma boa refeição, dum bom vinho. Depois, quem sabe, talvez a lareira me seduzisse para folhear um livro, ao som duma música calma.
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Linda crônica e parece estar ali junto ao cenário descrito, apesar de estar numa praia...abraços praianos,chica
ResponderEliminarQue M-A-R-A-V-I-L-H-A!!!!
ResponderEliminarBeijos
Fui lendo, devagarinho, voltando atrás, continuando...sempre com a voz do Luís como música de fundo, sentindo esta leitura como um retalho do teu quotidiano.
ResponderEliminarQuando ouvia: "Se houvesse uma semente / que eu pudesse semear /
eu faria um canteiro / no melhor do meu jardim / protegia-o da geada/ dava-lhe o sol a beijar / cuidava do meu canteiro /
como se fosse de mim...", imagina-te olhando a terra com o mesmo carinho com que um pai olha o filho, acabado de alindar...
Um lavar d'alma ler-te, A.C. :)
Beijinho.
Ler-te é magnifico!
ResponderEliminarComo os pardais sem receios dos movimentos.
Feliz Ano Novo AC.
Beijinho
A distância é enorme, mas, em se tratando de aves, tenho visto um cenário parecido: na última quinta-feira, presenciei alguns pássaros (sabiás) que tentavam afugentar um pequeno gavião que lhes ameaçava o ninho.
ResponderEliminarUm abraço, continue a escrever. Tenha uma ótima semana!
Nossa... musica e texto... que coisa gostosa de ouvir e lendo devagar, vivendo cada frase escrita... um presente a musica, um presente o texto...
ResponderEliminarBeijos...
E isto é plenitude, meu amigo!
ResponderEliminarFelizes dos que a sabem colher!
(A qualidade literária, essa é inalterável)
Bjo, AC
Um dia cheio digamos, rico em rotinas que te enchem o coração e revigoram a alma. Muito boa noite AC.
ResponderEliminarLevou-me de volta a uma certa ruralidade que conheci em outros tempos da minha vida.
ResponderEliminarAquele abraço, boa semana
São os pequenos nadas da vida que nos encantam os olhos e alegram o coração. Abraço.
ResponderEliminarComecei por ouvir Luís Portugal, "Uma semente". Lindíssimo! O seu texto lembrou-me como é quase "redentor" mexer na terra por sabermos que somos barro...
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Rotinas que nos preenchem e acabem bem.
ResponderEliminarGostei muito de ouvir a música.
Boa semana.
beijinhos
:)
Sem perderes nenhum detalhe, o texto (talvez escrito à lareira) mantém a chama viva.
ResponderEliminarMuito cálido, AC!
Beijinho.
Uma crônica encantadora nos
ResponderEliminargestos simples e preciosos com
o tempo no espaço interior.
Apreciei conhecer a música
do Luís Portugal, muito bela!
Beijo.
E de que precisa mais um homem, senão
ResponderEliminaro estar em harmonia com a natureza,
reconhecer-se parte dum mundo por tocar?
E se desse mundo, arado de pautas, brotarem,
por cúmulo, as melodias que amaciam o sentir?
Abraço
AC ,um Ser que semeia a terra e as almas com a mesma sabedoria amor .
ResponderEliminarUm beijo ,
Maria
A complexidade do simples
ResponderEliminarAbraço
Quase Torga...belo sentimento telúrico!
ResponderEliminarBeijinho
Oi, A.C. momentos que valem viver;preciosos em sua textura leve de existir.
ResponderEliminarUm abraço
Quanta leveza, amigo!
ResponderEliminarIsso é mesmo de um agricultor moderno e culto. Antigamente ficavam-se pelo vinho até aterrarem na cama. Livro e lareira parecei-me bem! Especialmente com este frio.
ResponderEliminarAbraço, um lindo domingo de harmonia com a terra
Ruthia d'O Berço do Mundo
Eu é que agradeço mentalmente, e hoje literalmente... a harmonia concedida... após a leitura de mais um dos seus encantadores textos, AC!...
ResponderEliminarBeijinho! Feliz Domingo, e uma óptima semana!
Ana
O AC é um senhor muito sábio, é o que é. Conhecedor da terra, da natureza e de quase todos os segredos que ambas encerram. Muito caminho percorrido, ora com papel e caneta na mão, ora apoiado numa enxada.
ResponderEliminarBoa noite, AC :)