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sábado, 11 de junho de 2022

PARA ALÉM DO TEJO, COM BORBA COMO PRETEXTO

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AC, Fachada do antigo Hospital do Espírito Santo, em Borba
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Por entre uma história de corrupios e arrepios, desavenças e avenças, com muita insegurança de permeio, assim se cultivou um povo sobrevivente, de parcas e tímidas posses, mas que soube encontrar, na sua resiliência, a forma de escapar a um trágico destino. Muitos emigraram, povoando os dormitórios da capital, outros ficaram, cultivando um lamento muito próprio, em tom dolente, mas sempre com um sorriso muito próprio à espreita de assomar na primeira oportunidade. E, quando se conseguem libertar da canga, bebem, cantam, confraternizam, ironizam...
Em Borba, para lá das pedreiras e do vinho, a sua maior riqueza, há todo um manancial de culturas entre-cruzadas de conquistadores e conquistados, de sobreviventes e assimilados. E, por entre as fachadas de mármore, material só acessível a quem estava de bem com Deus e o Diabo, o casario  humilde, sem pretensões, acabava por agradar a todos: a uns, porque dispunham de mão-de-obra barata e sempre disponível; a outros porque, apesar de tudo, acabavam por usfruir dum tecto para abrigar os seus. Tudo isto à sombra dum castelo, obrigatório em terras tão inseguras, e do qual já pouco resta.
Entre diferenças - sempre presentes, tal era o abismo - o engenho acabou por moldar a arte.  A escassez da maioria, herança acumulada de séculos, deu azo a criatividades várias, com o campo, fora da supervisão dos poderosos, a contribuir com coentros, orégãos, poejos, hortelã, alecrim, louro e outros que tais, dando forma, consistência e sabor, a um considerável número de pratos tradicionais que muito orgulham os residentes, apesar de pouco, ou nada, se passar da cepa torta: ontem para comer, sobrevivendo, hoje para vender, continuando a sentir, no âmago, ainda e sempre, o sentido do verbo sobreviver.
O Alentejo, por mais voltas e contra-voltas que dê, nunca deixa de me encantar. As suas gentes, moldadas na herança de mil e um povos que calcorrearam o território, com um toque q.b. das planícies solarengas, com um olhar sempre projectado, inconscientemente, no horizonte, são uma espécie única. Para melhor.
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terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

MEMORANDO

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Ouvia-te, sabia que eras uma igual. Falavas como nuvem despegada, aparentemente sem rumo, mas num tom único, depurado, avesso a ruídos de fundo. Ambos sabíamos, caminheiros de muitas veredas, que na vida há muitos imponderáveis, a maioria fora do nosso controle, mas que é nisso que reside o seu âmago: querer romper, para lá das amarras, em busca da sensação de que todos contamos, amparados num calorzinho que não tolha, mas que amplie.
Procurei dar-te a mão, cúmplice, pronto para retomar a jornada.Também eu sabia que as ilhas, como essência, não nos levam a lado nenhum.
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sábado, 25 de março de 2017

SAUDADE

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Havia um monte. E uma árvore. E uma fonte. Vindo de longe, movido a saudade, ouvia-se um lamento. Que fazer? Pegou nas lembranças, envolveu-as num ramo de flores e foi, de coração apressado, ao encontro dela.
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sábado, 10 de janeiro de 2015

(DES)CAMADAS

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Lembras-te, meu amor, daquela música? Sorríamos quando a ouvíamos, ainda sorrimos, apesar de sabermos que não existe a tal canção, ela apenas faz cócegas nalgumas das muitas camadas com que vamos adornando a compreensão das coisas. 
Já falámos disso tantas vezes e continuamos a falar. Umas ao final da tarde, a olhar para a multifiguração dos tons alaranjados, outras à lareira, aconchego ancestral tecido em partilha, em pequenas confidências. Esculpimos, no soprar do mais fino pó, que cada pessoa vai acumulando, ao longo da vida, camadas e mais camadas de segredos, ligados por pequenos filamentos, que são a complexa estrutura, quase invisível, do seu edifício.
Disseste-me, às tantas, que não te querias limitar à descoberta das tuas camadas, querias ousar descobrir as minhas e as tuas, onde convergiam ou se despediam.
Sentias que, na concordância, o meu sorriso era espontâneo. Também eu te queria dar as mãos.
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sábado, 10 de maio de 2014

FRAGRÂNCIAS DE MAIO

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Fotografia de AC, Gardunha
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Descia a rua, enlevado, refém da fragrância das flores de Maio.
Quando passava à tua porta, epicentro do mundo, a varanda era o local dos milagres por acontecer. Sentia-te por perto, sabedora dos meus passos, o viço dos manjericos era o sorriso que perpetuava o perfume dos sentidos.
O coração, rendido, teimava em ficar, mas continuava a descer a rua trauteando ária interior. As papoilas já se insinuavam na seara, em breve chegaria a época do trigo maduro.
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