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AC, Fachada do antigo Hospital do Espírito Santo, em Borba
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Por entre uma história de corrupios e arrepios, desavenças e avenças, com muita insegurança de permeio, assim se cultivou um povo sobrevivente, de parcas e tímidas posses, mas que soube encontrar, na sua resiliência, a forma de escapar a um trágico destino. Muitos emigraram, povoando os dormitórios da capital, outros ficaram, cultivando um lamento muito próprio, em tom dolente, mas sempre com um sorriso muito próprio à espreita de assomar na primeira oportunidade. E, quando se conseguem libertar da canga, bebem, cantam, confraternizam, ironizam...
Em Borba, para lá das pedreiras e do vinho, a sua maior riqueza, há todo um manancial de culturas entre-cruzadas de conquistadores e conquistados, de sobreviventes e assimilados. E, por entre as fachadas de mármore, material só acessível a quem estava de bem com Deus e o Diabo, o casario humilde, sem pretensões, acabava por agradar a todos: a uns, porque dispunham de mão-de-obra barata e sempre disponível; a outros porque, apesar de tudo, acabavam por usfruir dum tecto para abrigar os seus. Tudo isto à sombra dum castelo, obrigatório em terras tão inseguras, e do qual já pouco resta.
Entre diferenças - sempre presentes, tal era o abismo - o engenho acabou por moldar a arte. A escassez da maioria, herança acumulada de séculos, deu azo a criatividades várias, com o campo, fora da supervisão dos poderosos, a contribuir com coentros, orégãos, poejos, hortelã, alecrim, louro e outros que tais, dando forma, consistência e sabor, a um considerável número de pratos tradicionais que muito orgulham os residentes, apesar de pouco, ou nada, se passar da cepa torta: ontem para comer, sobrevivendo, hoje para vender, continuando a sentir, no âmago, ainda e sempre, o sentido do verbo sobreviver.
O Alentejo, por mais voltas e contra-voltas que dê, nunca deixa de me encantar. As suas gentes, moldadas na herança de mil e um povos que calcorrearam o território, com um toque q.b. das planícies solarengas, com um olhar sempre projectado, inconscientemente, no horizonte, são uma espécie única. Para melhor.
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