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Pedro entrou no jardim pela mão do pai, como fazia todos os domingos de manhã. O sítio era tranquilo, induzindo as pessoas ao passo lento, mas naquele dia algo mexia com a pacatez habitual.
- Ah, ovelhas sem pastor! Tendes olhos, mas a vista é turva. Olhai, olhai bem!
Um velho de barbas, em cima dum banco, gesticulava em busca de ouvintes, elevando a voz em tom profético.
- Preparai-vos para o fim. Estão a acabar os tempos da abundância. O mundo está a ficar em cacos, e vós não quereis ver. Tendes que voltar ao princípio, esgravatar de novo a terra, pois o mundo vai ser devastado por uma tempestade nunca vista!
A atenção do Pedro prendia-se naquele velho de olhar visionário, enquanto o pai o começava a arrastar para a saída. Tentava resistir, mas a mão maior era mais forte.
- Deram um paraíso ao homem, mas ele quis modificá-lo à sua medida. E arrasou tudo. Agora chegou a hora do pagamento. E a conta é tão grande, que nem cabe dentro das vossas cabeças!
Enquanto o pai o levava, o Pedro não conseguia resistir ao apelo e continuava a olhar para trás. Havia algo nas palavras e na postura do velho que o tocava, embora não entendesse muito bem o que ele dizia. E a sensação só esmoreceu quando dois homens de bata branca irromperam em direcção ao velho e o começaram a arrastar para dentro de uma ambulância, que tinha parado junto ao portão com um chiar de travões. Mas a sua voz ainda se fazia ouvir.
- Tirai as palas enquanto é tempo, ovelhas cegas! Olhai, olhai bem!
No regresso a casa o pai tentou ironizar com a situação, mas o Pedro não fez qualquer comentário. As palavras do velho tinham-se apoderado dele.
.- Ah, ovelhas sem pastor! Tendes olhos, mas a vista é turva. Olhai, olhai bem!
Um velho de barbas, em cima dum banco, gesticulava em busca de ouvintes, elevando a voz em tom profético.
- Preparai-vos para o fim. Estão a acabar os tempos da abundância. O mundo está a ficar em cacos, e vós não quereis ver. Tendes que voltar ao princípio, esgravatar de novo a terra, pois o mundo vai ser devastado por uma tempestade nunca vista!
A atenção do Pedro prendia-se naquele velho de olhar visionário, enquanto o pai o começava a arrastar para a saída. Tentava resistir, mas a mão maior era mais forte.
- Deram um paraíso ao homem, mas ele quis modificá-lo à sua medida. E arrasou tudo. Agora chegou a hora do pagamento. E a conta é tão grande, que nem cabe dentro das vossas cabeças!
Enquanto o pai o levava, o Pedro não conseguia resistir ao apelo e continuava a olhar para trás. Havia algo nas palavras e na postura do velho que o tocava, embora não entendesse muito bem o que ele dizia. E a sensação só esmoreceu quando dois homens de bata branca irromperam em direcção ao velho e o começaram a arrastar para dentro de uma ambulância, que tinha parado junto ao portão com um chiar de travões. Mas a sua voz ainda se fazia ouvir.
- Tirai as palas enquanto é tempo, ovelhas cegas! Olhai, olhai bem!
No regresso a casa o pai tentou ironizar com a situação, mas o Pedro não fez qualquer comentário. As palavras do velho tinham-se apoderado dele.
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Adaptado: "de poeta (médico) e de louco todos temos um pouco". Mas não haverá uma sã loucura nos visionários, nos profetas?
ResponderEliminarAo que assistimos nos dias de hoje não se adaptarão as palavras do "velho de barbas"? Quanta destruição do paraíso que herdámos e que jamais poderemos deixar em testamento aos vindouros! Por que será que o homem se tornou no pior predador de todos os seres vivos?
Há muitas respostas, todas válidas, consoante as convicções pessoais. Mas, para mim, a ganância, o lucro fácil, o ter para parecer, não para ser são, porventura, das causas imediatas. Haverá outras razões mais profundas. Mas ficamos por estas que são suficientemente cruéis para justificar a loucura dos pregadores do deserto. Aliás, o texto tem um enquadramento feliz com a imagem escolhida. É pena que seja assim. Por isso é um dever alertar toda a gente para os perigos desta "economia desenfreada" que atropela tudo e todos. É um dever cívico. Aqui se está a cumprir o dito.
Obrigado Agostinho
Abraço amigo
Caldeira
" A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela, e ela ser pequena, é ser desiludido. Ter consciência dela, e ela ser grande, é ser génio."
ResponderEliminarFernando Pessoa
em geito de homenagem. também paradigma de um olhar crú, inevitável.
obrigada!
Profundo..
ResponderEliminarBjs
Insana
O velho do jardim
ResponderEliminarE que palavras de sabedoria
Proferiram os Velhos na história…
Não são vãs as palavras…são memória
De quem muito aprendeu…conhece a vida…
Sabe que a terra tudo dá e cria
É ela que sustenta a vitória
De quem a “esgravata” e lhe dá glória…
Que tem as vistas largas e a conquista.
Oh louco, imprudente que a largaste
A ela voltarás buscando o pão
Mas não to dará… se não o plantaste…
Limparás o suor com tua mão
Queimando a pele ao Sol, cuidando as hastes
Do trigo e do centeio nasce o pão.
Camila Barroso
Há a sabedoria do Velho do Restelo e também a sabedoria do " Velho do jardim " ( ambos são visionários...apelando aos loucos...)
Parabéns pela sua bela e muito oportuna história...um beijinho da sua vizinha! Bom Domingo!
Zé Caldeira,
ResponderEliminarAs tuas palavras são lúcidas, como sempre, e com a objectividade de quem sabe que não há tempo a perder.
Obrigado, meu amigo!
Um abraço sentido.
Maré,
ResponderEliminarA citação de Fernando Pessoa é mais que pertinente.
Gostei de a ver por cá.
Obrigado pela visita e pelo contributo.
Insana,
ResponderEliminarBem-vinda a este espaço e... obrigado pela visita.
Bjs
Camila, minha vizinha,
ResponderEliminarQue belo comentário!
Estou muito grato por ser minha leitora.
Um beijo
Grata pela visita e comentário, gostei de conhecer este casa também.
ResponderEliminarQuanto ao seguir, o blog foi reformado ontem, e já coloquei a caixa dos seguidores. ;-)
Abraços de bom finalzinho de semana
Hanah
Hanah,
ResponderEliminarObrigado pela visita. Já espreitei e já me coloquei na lista de seguidores.
Abraço
Um belo texto para reflexão!
ResponderEliminarLer estas palavras nos faz olhar para dentro...
Um beijo com carinho e boa semana.
Vim ver gostei e deixo...
ResponderEliminarVenho deixar um pouco de alegria com a minha fruteira
Um beijo
CESTINHA
Cestinha da fruta...
De metal e asas largas....
Cestinha linda...
Que tão bem cheiras...
E o teu aroma...
Espalha-se pela casa toda...
Porque aqui nesta cestinha...
Eu encontrei...
O meu lindo abacate...
Verde e elegante...
A Dona manga bem madurinha...
Fica toda vaidosa...
Depois, dois lindos maracujás...
Muito roxos... fazem companhia...
E tu Ginguenga...
Vermelha e oval...
És apenas o contraste...
E a fruteira...
Tem também...
Duas lindas goiabas...
Doces...
E com um cheirinho...
Que se junta aos outros...
E se estende pela sala...
E tu...Fruteira...
Continuas a deliciar...
Com os teus cajús...
E castanhas de estalar ...
LILI LARANJO
Nos tempos que correm bem oportuna a tua história! dá que pensar...
ResponderEliminarBjs
ღPat.ღ ,
ResponderEliminarFica o convite à reflexão.
Um beijo e uma boa semana também.
ÁFRICA EM POESIA,
ResponderEliminarObrigado pela visita e pela fruteira. è muito apetitosa.
Bj
Lilá(s)
ResponderEliminaros tempos são de mudança e não podemos ignorar isso.
Bjs
Você me surpreendeu com seu jeito bonito de escrever.
ResponderEliminarBeijooO'
Valéria,
ResponderEliminarObrigado!
Bj
Talvez o sustentáculo do mundo tenha cedido e ele rode, louco e descontrolado, nas calhas da sua, nossa, imprudência e alienação.
ResponderEliminarMuito pertinente!
AC ,
ResponderEliminareste assunto dava para uma tese e não apenas para um comentário ...
O que á loucura ?
Quem decreta o que é ou não normal ?
Quem beneficia com esses rótulos ?
Enfim tanto a discutir ...
Belo texto .
Um beijo ,
Maria
"Talvez o sustentáculo do mundo tenha cedido e ele rode, louco e descontrolado, nas calhas da sua, nossa, imprudência e alienação."
ResponderEliminarMuito provavelmente, E.A., muito provavelmente!
Bj
Maria,
ResponderEliminarEmbora tudo esteja ligado, a mim talvez me interesse mais o género de loucura que nos fez chegar a este porto. E, há que dizê-lo, isto diz respeito a todos.
Beijo.
A gente clica e logo sai outro texto.Gosto desta cavalgada e deste entusiasmo.
ResponderEliminarHá qualquer coisa neste tecido narrativo que me lembre o "Voando sobre um ninho de cucos". Viu esse filme fabuloso em que os loucos é que eram os detentores da verdade? Certamente que sim.
E depois, esta intertextualidade com a voz calejada do Velho do Restelo,em jeito saramaguiano, foi muito bem conseguida, Agostinho.
É andar, é andar, que o caminho faz-se pelejando.Com palavras claro.Também.
Qualquer um que se atreva a dizer as verdades corre o risco de ser apelidado de louco.
ResponderEliminarE como é nas crianças que está a verdade, só elas entendem essa tal de loucura.
Gostei do conto. Quero mais...
Boa noite. Beijinhos
O teu texto é, sem dúvida, um pequeno grande oásis…
ResponderEliminar… pequeno para o deserto que teima em se avizinhar, mas grande na voz do velho de barbas e na atenção tão verdadeiramente "cega" do Pedro…
… pequeno perante a aridez dessas dunas (aparentemente tão calmas e tentadoras) , mas grande no turbilhão da vontade de acreditar na mudança…
… pequeno pois parece que quanto mais se cava mais o mundo se enterra, mas grande porque, embora sujeito a tempestade iminente, esse solo não pode perder a sua permeabilidade… foi assim que o teu texto se fez oásis…
Gosto do final, fica a esperança da salvação num mundo onde a voz dos loucos é a única voz, a voz dos que simplesmente têm razão (... e até uma criança consegue ver isso!!!).
Bonita história... mas onde está a ficção?
BJ
Ibel,
ResponderEliminarO ritmo está a ser intenso, mas confesso que nem sei como é que consigo. Sabe que ainda há pouco saí duma reunião de pais? Devo ter desenvolvido alguma característica que se alimenta do cansaço, só pode! :))
Claro que vi "Voando sobre um ninho de cucos", um filme emblemático onde Jack Nicholson tem um grande desempenho. Creio que, na altura, o vi várias vezes.
Obrigado pelas palavras. Sei que poderei contar sempre consigo.
Um forte abraço.
Mariazita,
ResponderEliminarGostei da sua leitura.
Se continuar a ter paciência para me ler, novas coisas surgirão.
Beijo.
JB,
ResponderEliminarSabes uma coisa?, o teu comentário trouxe-me o travo da inspiração.
Beijo.
JOÃO BAPTISTA ASSIM O FEZ E POR ISSO CORTARAM-LHE A CABEÇA...HÁ PROFECIAS TÃO CERTAS,TÃO CORRECTAS E POR ISSO HÁ URGÊNCIA EM ENVIAR ESSESS VISIONÁRIOS PARA DENTRO DE HOSPITAIS PARA OS CALAR...SÃO PERIGOSOS CÁ FORA...NÃO VÁ MAIS UM PEDRO...E OUTRO E MAIS OUTRO DAR-LHE ATENÇÃO...NÃO CONVÉM...
ResponderEliminarBEIJO
Pedrasnuas,
ResponderEliminarHá muitos visionários, e não podem cortar a cabeça a todos. Nem eles podem ter medo de falar da sua visão. Mas que a coisa está preta, lá isso está.
Beijo.
Uns vão pelo sonho, outros pela ganância e ainda outros pela loucura...
ResponderEliminarTeremos todos o mesmo fim!
Abraço
Somos loucos talvez!
ResponderEliminar.
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Beijos grande.
Pena que só os loucos consigam ver e que os que vêem sejam tratados como loucos.
ResponderEliminarL.B.
Rosa dos Ventos,
ResponderEliminarIsso é inquestionável, mas haverá sempre uns que tentarão, até ao fim, mudar as coisas. E isso reconforta-me.
Beijo
Luana,
ResponderEliminarTalvez que a maioria de nós, em vez de louca, seja cega.
Beijo
Lídia Borges,
ResponderEliminarTenho para mim que, num mundo assim, o diagnóstico é a demência.
Olá querido amigo, gostei da sua verdade, e por isso estou aqui; Mas deixa eu te dizer, sobreviver no meu caso, é aceitar o indesejado e mesmo assim, viver, seguir adiante, mesmo sem as realizaçoes sonhadas, ultrapassando as rejeições, derrotas, as coisas não caeitaveis, mas necessárias, sem nos deixarmos morrer com pessoas, preservando tudo aqui que se é, dignamente adaptar-se a novas epocas impostas... aho que falei demais desculpe, porfavor apague quando ler. abraços e obrigada por sua sencibilidade.
ResponderEliminarValvesta,
ResponderEliminarAcho que se está a referir a um comentário que deixei no seu blogue.
É bom termos convicções, e quanto mais fortes melhor.
Abraço
Amigo, quando li o teu texto senti cá um desassossego! Gosto da minha vida calma, mas hoje um pum na América ouve-se no meu Alentejo. Podia ser bom, mas lá se vai o meu sossego.
ResponderEliminarJá não sei quem é louco e quem está certo. É que às vezes ouve-se cada pum!
Um abraço muito grande.
Ah, Jorge, alentejano com ar duro mas com alma sensível! Tu bem disfarças, mas tens a sensibilidade à flor da pele.
ResponderEliminarDevolvo-te o abraço muito grande.
De loucos todos temos um pouco - alguém disse. Pessoalmente penso que a insanidade e a lucidez andam mais vezes de mão dada, do que se julga.
ResponderEliminarGostei bastante, principalmente do detalhe das palavras se apoderarem do Pedro, que entendi ser pequeno, curioso e provavelmente sensato, ao contrário do seu pai.
Um beijinho :)
Helga,
ResponderEliminarEsse detalhe que refere tem, realmente, muito que se lhe diga.
Beijo